Um inquérito da Associação Portuguesa para a Defesa dos Consumidores (DECO) estima que mais de metade dos portugueses já apresentou queixas de erros ou de negligência médica. De acordo com o inquérito, mais de 60 por cento dos portugueses revelaram preocupação face à possibilidade de serem vítimas de más práticas, sendo que 58 por cento apresentaram alguma queixa.
Por outro lado, o Conselho Médico-Legal do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses (INMLCF) recebe cada vez mais pedidos de magistrados de pareceres técnicos em casos de alegadas más práticas profissionais.
A realidade em Portugal vai mudando: há mais casos e mais pacientes a queixarem-se e há também algumas condenações, reflexo, em parte, da mudança na relação médico-paciente. No passado, o médico tinha uma posição predominante, era o detentor do conhecimento, agia com intenção de curar e segundo as regras da sua arte e mesmo que algo corresse mal, nem ele dava explicações, nem os doentes nem os familiares as pediam. O tempo dos médicos serem paternalistas foi parcialmente ultrapassado. Afirmamos parcialmente, pois nesses momentos de fragilidade, os próprios doentes esperam um certo paternalismo dos médicos; contudo, hoje, o paciente tem mais informação e uma maior consciência dos seus direitos.
Atualmente, a maior parte dos utentes tem consciência da possibilidade do erro ou negligência médica. Para muitos destes os dois conceitos coincidem; contudo, são distintos: o erro devido a falha humana pode ocorrer por distração momentânea, má execução de uma técnica, fadiga no desempenho de uma tarefa ou por outros motivos e não significa forçosamente uma violação do cuidado do médico ou do profissional de saúde. Há negligência quando se verifica violação do dever de cuidado por parte de quem atua.
Naturalmente, errar é humano e os médicos são pessoas. O erro do profissional pode ocorrer devido a um momento de distração, por uma falha de concentração, excesso de horas de trabalho, turnos consecutivos, redução de recursos, ou por muitas outras razões. Também há os chamados erros de conhecimento, que tanto podem ser erros de interpretação da realidade, como da aplicação da ciência no caso concreto. E muitos desses erros podem ocorrer sem negligência. No entanto, a verdade é que se houve um erro, houve consequências desse erro. E, se desse erro resultar um prejuízo para o doente que signifique uma diminuição ou incapacidade física, dores ou sofrimento físico e/ou psíquico, despesas adicionais e, nas piores situações, morte, o doente ou família devem poder contar com a indemnização adequada.
Apontar, contudo, o dedo ao médico sempre que existe um erro ou uma falha pode ser socialmente contraproducente e levar à prática de uma medicina defensiva. Por isso, é importante procurar-se que a indemnização seja garantida tanto quanto possível, através de sistemas de responsabilidade objetiva sem culpa associada, limitando a responsabilidade do médico aos casos de culpa grave. Esta realidade acentua a importância dos seguros de responsabilidade civil, que podem substituir o profissional ou instituição de saúde no ressarcimento dos danos do paciente e/ou família, com claros benefícios para todos: o profissional e instituição veem a sua responsabilidade delegada em seguradora e o paciente e família reforçam a viabilidade da compensação dos danos sofridos.
Assim, o que devem fazer um paciente e seus familiares se entenderem que não receberam os cuidados de saúde devidos e se sentem lesados? Devem procurar o auxílio de profissionais competentes que os ajudem a fazer valer os seus direitos perante os Tribunais civis, administrativos e/ou criminais. Se se tratar de um problema com relevância criminal, por exemplo, homicídio negligente, ofensas corporais negligentes, intervenções médicas arbitrárias por falta de consentimento informado e esclarecido, pode ser apresentada queixa às autoridades policiais ou ao Ministério Público e, a partir daí, dentro do processo penal, deduzir pedido de indemnização cível. Em caso de erro médico cometido em estabelecimento público do qual resultem danos físicos, psíquicos ou patrimoniais, o doente ou o seu representante legal, deve pedir a indemnização nos tribunais administrativos e apresentar queixa junto das autoridades criminais se o facto tiver relevância criminal.
Um dos maiores desafios nestes processos é a complexidade da prova e a obtenção de pareceres técnicos isentos, que naturalmente são emitidos por outros profissionais de saúde, área que ainda é altamente corporativa. Contudo, assistimos em Portugal ao surgimento de diversas instituições às quais advogados e cidadãos podem recorrer em situações de litígio. Saber onde ir e quem pode de forma isenta ajudar é essencial para o sucesso da causa.
E, pese embora a postura ainda conservadora nesta matéria dos tribunais portugueses, começamos a assistir a jurisprudência inovadora. A título de exemplo, recentemente o Tribunal Cível de Lisboa condenou um hospital a indemnizar a família da paciente, indemnização que se somou à quantia a pagar pela seguradora, com uma fundamentação inédita: os serviços médicos prestados à paciente retiraram-lhe a probabilidade de vida. O Tribunal entendeu que o facto de o médico não ter pedido mais exames, nomeadamente uma radiografia aos pulmões, retirou à doente a probabilidade de sobrevivência ou perda de chance; entendeu que a entidade hospitalar tinha a obrigação contratual de ter atuado de outra forma, de ter realizado determinados exames que permitiriam o diagnóstico certo e consequentemente, assistência e medicamentação em conformidade. Este erro levou a uma redução drástica da probabilidade de sobreviver e contribuiu de forma pesada para a morte da paciente. Este foi o primeiro Acórdão em Portugal a alegar a perda de chance no campo da responsabilidade médica, o que o torna muito interessante na defesa dos direitos dos pacientes em caso de negligência médica.
E o que devem fazer os profissionais de saúde (médicos, enfermeiros e outros) perante as crescentes queixas de que serão alvo? A nosso ver, além de constantemente melhorarem a sua prática profissional e de contratarem seguros que os possam proteger, devem igualmente socorrer-se dos serviços de advogados especializados que os possam proteger na sua prática profissional.
Em conclusão: um longo caminho de progresso está a ser percorrido na nossa justiça, que permite hoje em dia afirmar que os pacientes estão um pouco mais salvaguardados, se devidamente apoiados nas suas pretensões.
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