Recentemente, o Futebol nacional foi atordoado por mais um insólito incidente. De acordo com notícias veiculadas pela comunicação social, a II Liga conseguiu angariar um patrocinador. Trata-se da empresa multinacional chinesa Ledman, fabricante de lâmpadas LED. No acordo celebrado em Pequim, entre a referida empresa multinacional e Pedro Proença, na qualidade de Presidente da Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LPFP), está prevista a inclusão de 10 jogadores e 3 treinadores-adjuntos chineses na segunda divisão do futebol nacional – que se passará a chamar Ledman Proliga, a partir da próxima temporada, denunciou a empresa em comunicado publicado no seu site oficial.
Mais constava no referido comunicado que, os 10 futebolistas chineses terão de ser integrados “nos dez clubes de topo da Segunda Liga, tendo a Liga de garantir uma taxa de utilização dos jogadores e comprometer-se a melhorar o nível dos atletas chineses”, bem como, o facto da empresa chinesa constar como a “patrocinadora exclusiva” da mencionada competição. Os pormenores do negócio, na altura revelados pela Ledman, não foram confirmados pela (LPFP), comunicando-se apenas que os mesmos serão divulgados em tempo oportuno” e que se trata de mais um passo para a “valorização da Segunda Liga”.
Tudo parecia estar a correr aparentemente bem quando, algumas horas mais tarde, Pedro Proença garante que o acordo assinado pela Liga de clubes para patrocínio da II Liga tem apenas intenções de formação de jovens jogadores chineses, sem qualquer obrigatoriedade relativa à sua utilização. E a última palavra, acrescentou, o ainda atual Presidente da Liga, será sempre dos clubes.
No mesmo dia, e algumas horas mais tarde, a verdade é que a Ledman recuou na intenção de impor jogadores chineses aos clubes portugueses da II Liga e reformulou o contrato de patrocínio com a Liga dos Clubes, retirando a cláusula que obrigava os emblemas nacionais a garantir uma taxa de utilização dos jogadores e a comprometer-se a elevar o nível dos atletas chineses.
No entanto, no novo comunicado emitido pela empresa chinesa, agora surgiu uma cláusula onde se pode ler que: “a Ledman vai enviar 10 jogadores 3 treinadores assistentes para os 10 clubes de topo da Liga 2, no sentido de melhorar o nível dos atletas chineses”. Porém, a Liga reconheceu que está disponível para um intercâmbio de formação de treinadores e jogadores, mas diz que o modelo terá ainda de ser analisado em reunião de direção (a próxima está marcada para meados de fevereiro).
Com efeito, diz-nos o art. 13º da Constituição da Republica Portuguesa, (CRP) que ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito (no qual incluo o direito ao trabalho) ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.
Por outro lado, acrescente-se ainda que, o direito ao trabalho consagrado no art. 58º da CRP assenta no princípio da igualdade acima referido, o que não resulta do mencionado contrato celebrado entre a LPFP e a Ledman que, aparentemente, discriminava (e ainda discrimina) positiva e financeiramente, a utilização de atletas de nacionalidade chinesa pelas Sads da II Liga, em detrimento de outros, designadamente, de nacionalidade portuguesa.
Não compreendo como é que, por força de um contrato publicitário celebrado com a LPFP e uma empresa chinesa (ou de outra nacionalidade qualquer) se consegue impor de forma regulamentar, a celebração de um contrato de trabalho desportivo entre partes, que são alheias ao mencionado contrato e cujas normas imperativas da CRP impõem solução legal diversa, quanto à liberdade de escolha de cada um.
Note-se que, através deste contrato publicitário com a Ledman, por força de um condicionalismo não desportivo, totalmente extrínseco e alheio à própria competição, tornou-se obrigatória a inscrição de um atleta de nacionalidade chinesa, para que um Clube português (seja ele qual for, desde que esteja classificado nos dez primeiros lugares) tenha acesso a um eventual benefício de carácter pecuniário.
Julgo que, o princípio da igualdade está no mínimo… “desvirtuado”… já para não falar no direito ao trabalho que, salvo melhor entendimento, contempla a liberdade de escolher quem se quiser para poder trabalhar, mas também, o direito à liberdade de se escolher para quem se presta trabalho.
Já alguém perguntou se o atleta ou treinador chinês deseja celebrar aquele vínculo laboral com aquela equipa portuguesa. Já alguém indagou se a equipa/Sad deseja celebrar vínculo laboral com aquele atleta ou jogador chinês, sem ser por razões financeiras extracontratuais? Serão estes direitos constitucionalmente consagrados (à igualdade e ao trabalho) renunciáveis ou derrogáveis por via regulamentar? Por fim, qual é o valor global do contrato que justifica este imbróglio jurídico?
Enfim… Não acredito que este contrato publicitário seja uma oportunidade de negócio…mas sim um naufrágio, à periclitante honorabilidade do Futebol Português ainda que haja muito para apurar sobre os acordos estabelecidos entre a LPFP e a mencionada empresa chinesa.
Contudo, estava ainda a refazer-me desta notícia, quando surge mais uma notícia, avançada pelo Presidente da LPFP, referindo da possibilidade de a final da Taça da Liga ser disputada em Macau.
Segundo este: “Gostaríamos muito de poder potenciar, e que a nossa [final] Taça da Liga pudesse pela primeira vez ser realizada em espaço que não fosse o espaço português, quem sabe aqui em Macau, seria um pontapé de saída muito importante, obviamente com o apoio do senhor cônsul, que connosco tem partilhado estas ideias”.
Ora, desde há muito tempo que a lei portuguesa estabelece, um princípio da territorialidade no que respeita às provas e competições que confiram títulos nacionais ou regionais aos seus vencedores.
Hoje em dia, nos termos do regime jurídico das federações desportivas – Decreto-Lei nº 248-B/2008, de 31 de Dezembro, alterado pelo Decreto-Lei nº 93/2014, de 23 de Junho – dispõe o artigo 62º, nº1, sobre as condições de reconhecimento de títulos que: “As competições organizadas pelas federações desportivas, ou no seu âmbito, que atribuam títulos nacionais ou regionais, disputam-se em território nacional”. Pelo que, Macau, Paris (como já aconteceu) ou outro local fora de Portugal, é uma clara violação da lei.
Assim, é por demais evidente que esta norma evidencia mais uma potencial ilegalidade do Presidente da LPFP que no decurso do seu mandato, sucessivamente, desconsidera as leis vigentes no ordenamento jurídico pátrio.
É por todos reconhecido que o futebol é uma indústria que vive da confiança dos seus consumidores. Os consumidores são os adeptos. Se as pessoas não acreditarem na integridade das competições não compram o produto nem se consegue angariar apoios e patrocínios. A integridade das competições é por isso fundamental pelo que, a Liga e o seu Presidente, deviam ter uma preocupação acrescida, na defesa do Futebol e do jogador português, de acordo com o quadro normativo legal vigente, pois tendo em conta o seu recente comportamento, já todos estamos…de olhos em bico.
Lisboa, 1 de Fevereiro de 2016
Lúcio Miguel Correia
Advogado na MGRA Soc. Advogados (lmc@mgra.pt) e Docente Direito do Desporto Universidade Lusíada de Lisboa
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